segunda-feira, 22 de junho de 2009

Destino de jovens depois da escola é o bar mais próximo

Véspera de feriado em uma escola de elite da zona oeste de São Paulo. Quando soa a campainha que marca o fim das aulas, o destino é o mesmo para vários alunos: o boteco mais próximo. Sinuca, cerveja e pandeiro embalam o início da tarde. Para alguns, a balada vespertina é eventual. Mas, para outros, como Rafael, 15, o bar é passagem obrigatória depois das aulas.

Pelo menos quatro vezes por semana, ele toma entre quatro e cinco garrafas de cerveja com os amigos, enquanto joga uma partida de sinuca na saída do colégio. Na sexta, inclui também quatro doses de pinga. "Geralmente bebo porque estou de saco cheio da semana e quero dar um "relax". Gosto de ficar bêbado", conta o estudante. Para ele, que se considerava um garoto tímido e "travado" até dois anos atrás, a bebida "facilita várias coisas". "O humor muda, a auto-estima melhora, fica mais fácil de interagir." Rafael provou bebida alcoólica, oferecida pelos pais, aos nove anos, e começou a beber com regularidade aos 12. O caso de Rafael não é exceção. Ele ilustra uma tendência de comportamento que especialistas já detectaram entre os adolescentes brasileiros: eles começam a beber cedo e muitos bebem de forma abusiva. Uma pesquisa elaborada pela Unifesp em parceria com a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) - o 1º Levantamento Nacional sobre os Padrões do Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado entre novembro de 2005 e abril de 2006 com dados representativos de 100% da população brasileira-, mostra que a idade de início de consumo de álcool diminuiu nos últimos anos. Adolescentes que têm hoje entre 18 e 25 começaram a beber aos 15,3, enquanto jovens de 14 a 17 anos começaram aos 13,9 anos. "É uma adolescência bastante tenra. Provavelmente isso é uma tendência que vem acontecendo a muito tempo, de geração em geração", diz a psicóloga Ilana Pinsky, uma das responsáveis pela pesquisa. De acordo com o estudo, dois terços dos adolescentes são abstinentes. Mas 16% do total -ou metade dos que consomem álcool- já beberam em "binge" (termo técnico que significa pelo menos quatro doses em uma mesma ocasião), considerado o padrão de consumo de mais alto risco. Entre esses, 30% fizeram isso duas vezes por mês ou mais no último ano. "O que importa não é se um ou dois terços bebem, mas como eles bebem. O problema é que, entre os que bebem, muitos bebem de forma abusiva", completa a estudiosa. Apesar de ser proibido vender bebidas alcoólicas para menores de idade, há pouca fiscalização, e são raros os bares que pedem documento de identidade para jovens. A facilidade de comprar, o preço baixo (o Brasil está entre os países em que a cerveja é mais barata) e a grande tolerância social à bebida são fatores que contribuem para o início precoce do consumo de álcool. "No Brasil, o álcool, além de ser altamente tolerado, é até estimulado; é visto como uma coisa obrigatória em muitas situações" comenta Ilana Pinsky.

"Os adolescentes têm dificuldade de ver a bebida como uma droga, como um problema", diz a psiquiatra Sandra Scivoletto, chefe do Ambulatório de Adolescentes e Drogas da Faculdade de Medicina da USP. Colega de escola de Rafael, João, 16, tem uma rotina parecida com a dele. Bate cartão no boteco ao lado da escola quase diariamente. Depois de tomar cerveja no bar, ele vai para a casa e dorme. Chega atrasado na escola freqüentemente e está indo tão mal que se já considera praticamente reprovado. "Vou mudar para uma escola mais fácil para não perder o ano", admite.
O caso de João ilustra uma das principais conseqüências do uso abusivo de álcool na adolescência: o baixo desempenho escolar. "O jovem que bebe fica mais lento e com a atenção instável", diz a psiquiatra Ana Cecília Marques, pesquisadora da Unidade de Álcool e Drogas (UNIAD) da Unifesp.
Além disso, a exposição a doenças sexualmente transmissíveis e a acidentes de carros também é agravada pelo álcool. "Em grande quantidade, o álcool desinibe, diminui a atenção e provoca a perda dos reflexos. O adolescente ainda não tem a compreensão perfeita da realidade, por isso está exposto a muito mais riscos que um adulto diante de uma intoxicação alcoólica", diz a presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas), Analice Gigliotti.
Em longo prazo, os efeitos são ainda mais nocivos. "A adolescência é a fase em que o cérebro tem mais condições fisiológicas de receber e processar informações. O excesso de álcool dificulta o processo de aprendizagem. Isso pode resultar num adulto com menos habilidades intelectuais", afirma o toxicologista Anthony Wong, da USP.

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